Ele não pode mais ser uma bermuda rasgada. Ele não pode mais ser um carro batido, um cabelo descuidado. Ele não pode mais implicar com o garçom. O garçom não fez por mal, só está com a cabeça nas nuvens, como vai sustentar o filho que a namorada espera? Ele não pode mais ser vítima da raiva. Ele não pode mais negar esmola a uma criança no farol. Ele não pode mais ser uma casa descascada, um sofá rasgado, um telefone vencido. Ele não pode mais ser um dente com cárie, um rosto com cravos, um copo de cerveja barata. Ele não pode mais trair a namorada, nem varrer a própria casa. Ele não pode mais. Não pode mais ser uma barriga saliente e pálida na praia. Não pode mais ser um banco de metrô, um supermercado popular, uma espera no pronto-socorro de madrugada. Ele não pode mais ser pré-pago, pré-datado, parcelado. Não pode mais mostrar o olhar triste, nem cerrar o punho, nem gritar palavrões. Ele não pode mais ser um DVD pirata. Ele não pode mais aceitar comida de graça e também não pode mais correr sozinho no parque. Ele não pode mais repreender um fura-fila, um colega de trabalho, um político. Não pode mais ter medo. Ele não pode mais ser uma palavra impulsiva. Mas se for, deixar de lado um pedido de desculpas ele não pode mais.
* trecho da peça Entulho [que assisti em 25set] escrita por Priscila Nicolielo. Baita orgulho da minha "ruiva"!
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