segunda-feira, julho 6

das pedras que se voltam

Fui com pedras na mão e coração trancado ouvir você, António. Disseram que eras tão bom quanto Eça, mas que tinha treta com Saramago. Paguei pra ver. Foram os dez reais mais valiosos da minha vida.

Um António brasileiro de Portugal
António Lobo Antunes. Ok, nunca ouvi falar. Mas foi a briga de galo grande com meu segundo autor predileto que me levou para lá, sábado, FLIP, 19agá. Um senhor de camisa, colar com pingente de guitarra, nem aí pra gente toda. Ganhou-me quando pediram para ler um trecho de sua obra. "Esqueci", disse. E não leu nada, não precisou.

Brilhantemente conduzida pelo jornalista Humberto Werneck, a mesa 15 "Escrever é preciso" ferveu uma plateia que batia palmas das coisas mais simples ditas por António. Ele fazia cara de não tô entendendo. Eu lhe digo, António: desacostumamos do simples.

Falou muito do avô de Belém do Pará. Este homem que, ao descobrir o neto de 12 anos escrevendo poesia, o fuzilou com a pergunta "és viado?". Sem saber o que era viado, António disse não. E ao tentarem lhe explicar, aí que ele não entendeu mais nada. Foi por esse avô amado que descobriu Machado de Assis, José de Alencar, Raul Pompeia, Aluízio Azevedo. “Foi onde mamei”, disse.

Do Brasil, que não visitava desde 1983, diz que não é um país. "São cheiros, é a comida, maneiras de viver e falar. O Brasil é uma coisa íntima". Werneck alfinetou: "você não pode ficar tanto tempo longe, o outro (Saramago) vem mais". António riu de ombros.

Safo, vendia poemas católicos à avó alemã viúva deste avô brasileiro. Não entendia a dureza daquela mulher diante da morte do avô, preferia até a morte dela. Mas um dia ela disse: "hoje são 14 anos, tantos meses e tantos dias da morte de seu avô". Entendeu as superfícies de cada alma.

Daí falou do livro, um organismo vivo. "Todo grande livro, quando entra em você, se faz sozinho, deixa as mãos felizes."; "É preciso ir até as camadas mais profundas de todas as superfícies superpostas da consciência.", "Por isso gosto de escrever por cansaço.". Exaustão tive eu, só de imaginar.

António relembrou Jorge Amado, que lhe paparicava: ‘Gosto de lamber meus filhotes´, e João Ubaldo Ribeiro, que respondeu certa vez a quem lhe perguntou por que não escrevia mais: ´pois continuo escrevendo, meu heteronômio é António Lobo Antunes´.

Drummond, Cabral, Bandeira, Murilo Mendes, Jorge de Lima... doeu-me ouvir que leitura de poesia ensina mais que a de prosa. "Para escrever bem é preciso cortar até osso, advérbios e adjetivos, destes que Cortazar chamava de “essas putas”". Corto tudo então, António, que Marcelino já me avisou.

Receita pronta? Tem. "Para quem quer ser escritor, recomendo observar Garrincha jogando”. E aí percebi que era o apito final. E quando ele agradeceu a nós e a Deus, eu enfiei o rosto nas mãos e chorei um tanto, um tanto que não passou até a tenda e eu esvaziarmos. Já era saudade.

2 comentários:

Thais disse...

Imagino que se eu arrepiei de longe... Só falava pqp,pqp, pqp.
Assistindo de Londrina, graças à internet!!!!
Saudade absurda de vc.
Bjs

Anônimo disse...

Coisa bonita. Não precisei ir já soube do melhor, graças a ti. E se ficar escrevinhando assim, escrevinhando mais, um dia vai sentar lá, ao lado de António.

beijobeijo