Depois de limpar as marcas de pasta de dente na pia, escarrou algo acinzentado nas mãos e misturou vagarosamente as substâncias díspares. Preparou com o frescor da menta e a secreção pigarreada um único unguento que tornou-se o alívio que o rosto pisoteado pedia. Deixou o elixir repousando na palma direita enquanto o indicador esquerdo apontava para si sem unhas lascadas nem julgamento. Pincelou a mistura inicialmente no corte mais leve da maça do rosto, em movimentos circulares. Repetiu-se algumas vezes até tomar toda a superfície, da testa ao queixo.
O espelho a sua frente imitava teia de aranha. Viu-se partida. Levou o mesmo dedo indicador até as fissuras do vidro e acariciou cada fenda. Sentiu todos os cortes, refez todo o desenho. Seria uma tentativa de recompor-se. O que conseguiu foi se sangrar.
A pasta seca ardia e caia esfarelada pelo queixo e peito levando consigo filetes da pele que um dia alguém tanto quis. Então se fez bonita. Com o dedo pingando vermelho pôs batom e blush. Abriu a gaveta e cavou umas fivelas, um pente. Repartiu o cabelo com ares de Madalena e não gostou. Preferiu um coque-banana displicente, desses que viraram moda recente. Moldou farelo por farelo do que havia no rosto arenoso até criar seu novo reflexo. E sorriu uns dentes quebrados ali misturados na pia, com a pasta.
para o projeto coletivo literatura ordinária
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