quinta-feira, junho 18

O monóxido como testemunha

Nunca foi de fumar no quarto, achava o território impróprio para o alcatrão. Mas daquela vez, a última, permitiu que o clarão do Zippo encontrasse a ponta do bastonete branco. Essa sim parecia ser a união perfeita, onde um cria o fogo e outro é consumido até seu fim. O filete de fumaça preenchia os vazios, o cinzeiro enchia-se de restos como cama de puteiro.

Seus amigos de hoje são as bituca que jaziam babadas, esmagadas, aguardando o funeral no lixo do banheiro. Ele também era uma bituca. Uma bituca que foi acesa de novo pelo desejo de dar um basta. Enquanto faltava ação, se agarrava ao bastão: mais um, mais dois, agora o terceiro maço desta vida maçante.

Era noite funda, silêncio opaco. O apito do vigilante vinha como um pássaro desgraçado para contar os minutos de espera. E os minutos viraram horas. E as horas tiraram o negrume da janela, que ganhava tons azuis, rosas, até o céu virar brasa. O corpo já não acompanhava a mente inquieta e clamava por descanso. Seu último ato foi deixar o bilhete: “quando chegar, me acorde”.

Com o orgulho chamuscado, ela tinha partido com olhos irritados, depois de gritar seus arrependimentos e culpas e submissões. Mulheres. Agora, respirando a manhã poluída, ela saltava uns passos apressados como compulsão: parecia ser sua última chance. Mas não era: ela se salvou da sina de fumante passiva e nunca chegou, enquanto ele, enfartado, nem acordou.

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