sexta-feira, novembro 23

entrelinhas


Quando ela chora
Não sei se é dos olhos para fora
Não sei do que ri
Eu não sei se ela agora
Está fora de si
Ou se é o estilo de uma grande dama
Quando me encara e desata os cabelos
Não sei se ela está mesmo aqui
Quando se joga na minha cama
Ela faz cinema/ Ela faz cinema/ Ela é a tal
Sei que ela pode ser mil
Mas não existe outra igual

Quando ela mente
Não sei se ela deveras sente
O que mente para mim
Serei eu meramente
Mais um personagem efêmero
Da sua trama
Quando vestida de preto
Dá-me um beijo seco
Pevejo meu fim
E a cada vez que o perdão
Me clama
Ela faz cinema/ Ela faz cinema/ Ela é demais
Talvez nem me queira bem
Porém faz um bem que ninguém
Me faz

Eu não sei
Se ela sabe o que fez
Quando fez o meu peito
Cantar outra vez
Quando ela jura
Não sei por que deus ela jura
Que tem coração
E quando o meu coração
Se inflama
Ela faz cinema/ Ela faz cinema/ Ela é assim
Nunca será de ninguém
Porém eu não sei viver sem
E fim

Ela faz cinema/ Chico Buarque
Arte: Flávio Carvalho

terça-feira, novembro 13

3

Repara: tudo é inspirado em. Todo signo vem de. Toda palavra soa de. Toda emoção brota de. A vida. A morte. (Você já sabia? Eu soube ontem.)

O caos de São Paulo desencadeou meu processo de interiorização. Para onde eu olhava, lá estava ele: o três. E o que é o três senão o signo do infinito cortado? Não vivemos o infinito, temos um corte. Eu me senti três.

Fui além. O signo do infinito é o número oito, hermético, orgânico, sensual. "Você é oito", a numerologia me taxa. Mas ontem quis virar três, da criatividade, da criança. Confessei.

Pai + mãe + filho. Tríade. Trifelicidade. Paixões a três (ciúme a um). Trinca de frustrações. Tríplice de medos. Trio de vontades. Revela-te em três tempos. Santíssima trindade.

Sigo minha trilogia no que sou: um oito com um corte certeiro, aberto ao que a vida me der, disposto a devolver o que vier. Até que a morte me torne infinito.

quinta-feira, novembro 8

lance de química

Só mesmo The Chemical Brothers para me tirar da depressão pós-TIM.

terça-feira, novembro 6

espera-se esperança

O trecho do e-mail enviado para Gerlova reflete minha atual indignação:

(...)E de resto estamos bem. Dia pacato. Só tentei matar dois mecânicos de novo por conta da minha porta torta. Eles riem de mim. Ri-em! Mas a raiva já passou. Estou elaborando em minha mente um post que se chamará Das desgraças da testosterona no mundo, onde falarei da contribuição masculina para a humanidade feminina: das ofensas no mecânico ao holocausto, das diferenças salariais à transmissão do HPV. Breve, no Prosa Preta Verso Violeta mais próximo de você.

Estava quase certa de que perdi a fé nos homens de guerra e má-vontade da terra. Julguei-os cultivadores do desrespeito, cachorros putos fodedores de qualquer buraco que não saia formiga, fanfarrões que vieram ao mundo pra fazer sarro das emoções estrógenas.

Foi quando achei Seu Manuel, frentista do posto Petrobras da Santo Amaro com a Nebraska. Um senhor nordestino, rosto marcado pelo sol, sorriso de bom dia de sol. Seu Manuel tem jeito de que pega todas no forró, logo seria tão sacana quanto tantos por aí. Mas seu Manuel tem um jeito tão único e surpreendente de tratar os clientes que enche meu dia de otimismo. Ele nem sabe.

Hoje notei que existe esperança para a gentileza. Acreditarei nisso, até o momento em que os homens do meu convivo esbravejarem algo sobre pussycats, tetões, pingo de solda e afins. Temo que será logo.

To be continued...

domingo, novembro 4

Jamelão. Dunas. Barreiro. Butiá.
Risarada, ventarada, vem o trem, ouve lá.
Gente contente gente de Campo Bom a Tubá.
Liberdade. Minha saudade. Sou feita disso que há.



Quando meus amigos falam de suas infâncias, dos filmes, da moda, da música, eu digo, indignada: vocês não brincavam na rua, não? É que eu não lembro de muitos fatos dos anos 80, nem lembro de ter TV.

O que eu gostava era de subir no pé de jamelão sem saber descer, de correr no barreiro antes de escavarem o barro pra olaria, de encher a boca de areia rolando nas dunas. Quando eu estava dentro de casa era por causa da geada, que até chuva eu encarava. Sempre achei o clarão de raio a coisa mais linda e, como o único pára-raio ficava na torre da Igreja São João Batista, caía raio em todo lugar. Já vi no pasto, no riacho, no quintal, no galinheiro - e, para o pavor de minha mãe, nunca fiquei com medo.

Morria de medo de uma coisa só: do trem. É que vi uma vaca sendo atropelada. E mesmo esse medo foi ligeiro, acabou quando tomei gosto de correr ao lado da Maria Fumaça até que ela me vencia e seguia morro acima tingindo o céu num desenho preto que parecia a letra de Deus. Eu ainda não sabia escrever, mas vivia ouvindo a vó Delícia dizendo ao meu pai: Deus escreve certo por linhas tortas.

Eu sou de São Paulo, nascida na Liberdade, mas meu coração de criança é de Tubarão, de Morro Grande e de Campo Bom. Ainda bem que fugimos pra lá: meu pai voltou para o sul pra achar emprego, enquanto eu achei infância de verdade, de pé no chão e ralado na mão. É disso a minha saudade.