domingo, novembro 4

Jamelão. Dunas. Barreiro. Butiá.
Risarada, ventarada, vem o trem, ouve lá.
Gente contente gente de Campo Bom a Tubá.
Liberdade. Minha saudade. Sou feita disso que há.



Quando meus amigos falam de suas infâncias, dos filmes, da moda, da música, eu digo, indignada: vocês não brincavam na rua, não? É que eu não lembro de muitos fatos dos anos 80, nem lembro de ter TV.

O que eu gostava era de subir no pé de jamelão sem saber descer, de correr no barreiro antes de escavarem o barro pra olaria, de encher a boca de areia rolando nas dunas. Quando eu estava dentro de casa era por causa da geada, que até chuva eu encarava. Sempre achei o clarão de raio a coisa mais linda e, como o único pára-raio ficava na torre da Igreja São João Batista, caía raio em todo lugar. Já vi no pasto, no riacho, no quintal, no galinheiro - e, para o pavor de minha mãe, nunca fiquei com medo.

Morria de medo de uma coisa só: do trem. É que vi uma vaca sendo atropelada. E mesmo esse medo foi ligeiro, acabou quando tomei gosto de correr ao lado da Maria Fumaça até que ela me vencia e seguia morro acima tingindo o céu num desenho preto que parecia a letra de Deus. Eu ainda não sabia escrever, mas vivia ouvindo a vó Delícia dizendo ao meu pai: Deus escreve certo por linhas tortas.

Eu sou de São Paulo, nascida na Liberdade, mas meu coração de criança é de Tubarão, de Morro Grande e de Campo Bom. Ainda bem que fugimos pra lá: meu pai voltou para o sul pra achar emprego, enquanto eu achei infância de verdade, de pé no chão e ralado na mão. É disso a minha saudade.

5 comentários:

Ana Paula Marques disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ana Paula Marques disse...

Que lindo Van.
Parece Manuel Bandeira no poema que eu amo: Evocação ao Recife."
Isso que é infância!

Thata disse...

oi Van! que legal receber sua visita! o tiago sempre fala de você e eu já tava andando por aqui como anônima, sou fã mesmo. :)
Já falei pra ele q tem que apresentar a gente.
Sobre o projetinho, os detalhes estão no www.projetovolare.blogspot.com
Se quiser participar, ta convidada :D
bjão!!

Anônimo disse...

Van de Campo Bom, todas as vezes que se sentir tristinha ou bravona volte de trem pra esse lugar mágico e atropele novas vacas, ou bois. Você vai perder o medo depois disso, e desfrutar pra sempre do que você merece, a felicidade em sons que caem claros e fortes fora dos pára-raios, mesmo que seja das igrejas. A felicidade da infância que você recebeu de bandeja. Não esqueça disso!
Saudades de você...
Cice.

Pex disse...

Ai, Van! Tenho q falar q tenho inveja das pessoas q tiveram uma infancia assim, pq além de vc, soh conheço meus pais. Q sempre me disseram q nao tive infancia, por viver nessa selva de pedra. Espero q eu possa num futuro, dar uma boa infancia pros meu rebentos. Texto lindo, de uma sensibilidade incrível.
Da sua fã, Mai