quinta-feira, abril 22

Fofoca de salão

- ONTEM MATEI MEU MARIDO RICO. Era isso que aquela alcatéia de inúteis dos tablóides dos periódicos vespertinos gostaria que eu tagarelasse a eles. E, claro, com a riqueza de detalhes que somente uma viúva negra seria capaz de lamentar. Eles imaginam, ouça bem, que eu teria coragem de manchar não minhas mãos, mas meus carpetes com sangue. Eles querem ouvir de mim que não me entristeço pela sua morte, mas que sofro, até a última lágrima, pelos espirros vermelhos que meu “Tolouse” ganhou para a eternidade. Em tão breve tempo, já falam que se não fui eu, foi vingança de um amante dele na própria Câmara. Um amante, Manolo! O Brasil confunde intelectuais com homossexuais. A delicadeza de um homem culto virou viadagem na boca do povo. Ele era fidelíssimo, eu sei. E eu nunca neguei sexo. Eu sempre gostei muito de sexo. Você que me conhece há década sabe que eu não seria capaz de casar com alguém que não me fizesse uivar. De uns tempos para cá, quando ele ficava mais no centro-oeste do que aqui, o máximo que eu me permitia eram umas festinhas bobas com uma das antigas meninas. E só. Tudo o que eu fazia, meu marido acompanhava. E sabia. E gostava. Eu amei esse homem. Já aturei tantos gordos engravatados noite adentro, viagens e mais viagens convivendo com a pequena tristeza que só as janelas de um jatinho carregam, cerimoniais enfadonhos com gafanhotos de smoking, esposas traídas vestidas de jóias e invejas. Tolerei tudo por amor. Então por que eu cometeria esse absurdo, Manolo? Meu marido, rico, que se foi, nessa tragédia, sem por quês, sem testamento, sem honra. Esse que gostava de mim, do jeito que sou. Do jeito que eu fui. Agora estou aqui, difamada por essas aí que me chamavam de querida até antes de ontem, usando pela segunda vez em um mês um traje-preto-completo-funeral-de-luxo, pronta para cremar o homem que me salvou. Preste atenção, meu bem: a cidade está à espreita em cada sombra, aguardando o debut da assassina. É o deleite da plebe que não me deixa caminhar ao lado do corpo de meu marido morto. Sabia que eu não vi o corpo, Manolo? Quando aconteceu, ceguei-me. Só sei do que li, da mão perfurada, do maxilar estilhaçado, da explosão da orelha esquerda. E, depois da queda, mais perfurações sem cabimento, que o pobre já havia nos deixado no primeiro alvejar.
- Que cor vai ser o esmalte?
- Vermelho queimado, por favor.

terça-feira, abril 20

papo da mesa ao lado

- Todo mundo fuça! Todo mundo sabe que é fuçado.
- Eu não! Eu? Nunca.
- Duvido que você nunca olhou mensagem do celular? Nem mexeu na carteira pra achar papel do MasterCard, nem tentou entrar no e-mail inventando senha...
- Credo, o que é isso? Você faz isso?
- Faço. Faço por que tem que fazer.
- Mas isso é que nem doença, se procurar, acha.
- E eu acho!
(silenciam)
- É...
- "É" o quê?
- O que o amor constrói, o facebook destrói.

pré-feriado

Funciona assim: você está louca para cair na noite feito louca, faz tempo. Aí tem feriado no meio da semana, que serve justamente para... cair na noite feito louca. E o universo é tão bonzinho com você: faz seu enteado querer dormir na casa de uma amiguinha, namoradinha, sei lá, uma menina aí. E a noite está bonita, gostosa, pronta para receber você. Tem até cheiro de dama-da-noite. Então você pensa em tudo: depois do Lost, eu vou. Pensa na roupa: calça preta justinha, uma regatinha, tênis para poder pular até o céu. Mas... você não vai coisa nenhuma, que é pra manter o ciclo emocional da casa estável.

segunda-feira, abril 12

Consoleta

Não deve ser mais novidade para ninguém. Mas para mim, era.
Subindo a Consolação: eu bicuda por que sabia que iria passar a noite de sábado em um dos points que estamos tão acostumados a ir (ou seja: mesmo cardápio, mesmo garçon, mesmo flanelinha...).
Mas não, houve a reviravolta!
O Merivão virou a direita na esquina do cemitério e de repente, Consoleta. O garçon do Bar Higienópolis que me contou desse nome. Trata-se desse encontro de bares e restaurantes nas ruas atrás do cemitério. Eu procurei uma definição melhor e achei essa aqui:
"À maneira do que acontece na Recoleta portenha, exalam ao mesmo tempo um ar cosmopolita e um quê bairrista. Alimentam uma certa badalação mais relaxada, com muitos clientes que chegam a pé para comer, diferente da atmosfera dos Jardins, mais chamativa, mais motorizada (...) O novo cidadão consoletano, por assim dizer, segue aquela linha urbano-moderna que, no fim das contas, é extremamente identificada com São Paulo."
Hoje quero ver se arrasto a Gerlova pra lá. Quer vir com a gente?

Autores em cena

Tá. Ainda não desisti.
Vou contar da minha volta ao circuito cultural gratuito da cidade. Cidade boa essa nossa, oferece cultura a preço de nada. É só pegar uma fila em frente ao Itaú Cultural e é o tempo de fumar um cigarro e pronto, já tem ingresso na mão e logo está sentado na cadeira do teatro.
E foi programa pra família toda. Flávio entra de cabeça nas minhas maluquices, foi nessa também. E agora incluo o filhote: Gabriel foi fingindo 16 anos, mas que censura de idade a arte tem?
O que vimos: AuTORES EM CENA, curadoria do Marcelino Freire.
O que é: um diretor é convidado para colocar em cena um autor e esse autor interpreta o personagem que criou para a cena
Foi assim:
1) Nilton Bicudo dirigiu Lourenço Mutarelli, que escreveu e atuou em "O OUTRO". Meu preferido da noite tratou da tragicomédia que é a morte.
E 2) Mutarelli dirigiu Xico Sá em "SEGUNDO ATO". Divertido por que falar de sexo e estômago sempre é divertido - mesmo para o guri de 12 anos ao meu lado, que ouviu lições do tipo "não diga que está louca pra foder, diga 'estou tão nervosa ultimamente'; não diga que a viu fodendo por todos os buracos, diga 'é uma mulher eclética'.
Vamos fingir naturalidade e amém.
Depois fomos para a Consoleta. Mas isso é outro post.

desistência

Mal passo por aqui. Mas há tanto para escrever.
Contos ótimos sobre a reforma da casa, por exemplo. O dia que 60 anos de sujeira no teto caíram sobre mim. O dia que a lata de tinta explodiu e tingiu o carro. O dia que o chuveiro cuspiu fogo. O dia que mandei o telhadista tomar no cu. Mas será que interessa?
Tenho questionado se vale gravar algo aqui. De tanto estar longe acho que o povo habitué desistiu de me visitar, de ler seja lá qual desacato eu colocar aqui.
Talvez esteja chegando o fim.