segunda-feira, junho 30

buscas


Aos teimosos e àqueles que acreditam que é possível:
não posso disfarçar minha inveja branca de quem larga o conforto por um algo maior. Deixam cidades, famílias, amigos. Deixam um amor. Dão um pause nos atos daqui. Como a Kassi, que acaba de ir para Barcelona, e a Tati, que acaba de voltar de lá. Como a Maiume, no Canadá. Não é férias. Com desapego e mesmo com medo, foram viver o sonho.
Sou toda admirada por mulheres corajosas.

constatações

Ao sábado, com urgência. Desde 16 de junho eu estava trabalhando com cargas altíssimas de exigência, nicotina e paciência. Meu corpo já dava sinais de falência: garganta, costas. Até que sexta-feira chegou. Fui para casa. Assisti Lost. Comi qualquer coisa que não lembro. Fiquei bem quietinha. Até que surtei. Achei que precisava de mais carinho e atenção. Liguei para o namorado e exigi: me dê mais carinho e atenção, agora! Ele disse: mas isso não é assim, com esse desespero, como é que eu posso materializar carinho desse jeito? Eu deveria ter continuado quietinha.
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Herdei uma máquina de lavar roupa da década de 1980 quando meus pais compraram uma Brastemp toda modernosa, que aperta botões ao invés de girar seletores. No Brooklin, minha máquina não cabia na área de serviço. Então dei a máquina. Isso faz mais de dois anos. Eu ainda não comprei outra. Lavo roupa na casa dos meus pais. Como não fui lá semana passada, sábado tinha todo o meu guarda-roupa de inverno para lavar. O fato de ter roupa-suja é um grande influenciador às visitas que faço a eles. Sou uma exploradora de pais amáveis. Tenho que comprar uma máquina urgente.
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Em abril, fui convidada para adaptar um roteiro. Fiquei bem feliz mas, até agora, não escrevi uma linha. Abril, minha gente! Soma-se vagabundice, falta de tempo, culpa e aqui estou: comprometida, tão covarde que não desisto e vou arrastando-o comigo. Desculpas-padrão: o final de semana é de tarefas domésticas, visita aos pais, cuidados comigo, encontrar amigos, programas legais e namoro. E não cumpro toda a agenda, é fato. Fui convidada para fazer os diálogos de outro curta. Faz duas semanas. Ainda não escrevi uma linha. Eu quero. Eu duvido. Eu consigo?
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Daí quero ser escritora. Ah, que bonito: escritora. Mas com essa minha perseverança de jegue, fico aqui, escrevendo no blog, blablablas mil, pensando que importância tem isso.
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O mundo é movido a chocolate. Estou passiva e sem chocolate: 3 meses e 11 dias. Toda semana sonho com brigadeiro, mousse, bolo da Amor aos Pedaços, Alpino. Eu devia ter pedido ao santo mais perseverança.

quarta-feira, junho 25

Miss Pompom

Reuniãozinha na casa de amigo, dessas de sábado a noite. Nada de mais. Já passava das quatro e a animação persistia, a maldita. Eu, que nem fazia questão de estar ali, suportava ao gosto de ervas e álcool. Também persistia.

Era frio e era algazarra de vozes masculinas que se misturavam até condensar um burburinho grave, intragável. Estava um porre ficar fugindo da ventania e do besteirol “por que ele não me ligou hoje?” emanado por mulheres mui formosas e mui inseguras. Algum santo fechou a janela da varanda, bendita providência. Quis andar.

A tantas me dei conta que estava só em um grupo de rapazes, empolgados com suas fabulosas peripécias sexuais, coisa de realismo fantástico mesmo. Esfreguei os olhos secos de sono, incrédula com o borrão de rímel que senti avançar pelas pálpebras, enquanto eu pensava “quanta bobagem, meu Deus, até parece!”.

Foi então que conheci a tailandesa, aquela que arremessa ao longe velas, bolas, laranjas e bananas. Conrado contava que já teve a sorte de encontrar uma “mina que tinha a manha”, a trepada do século. Fingi interesse.

Ela segurava o pau dele com se estivesse massageando-o com as mãos, apertando aos pouquinhos e prendendo tudo no final, como se os anéis musculares da bucetinha funcionassem como dedos, começando a apertar com o dedo mindinho, na base do pau, e depois subindo, agarrando firme, como se fosse o anular, o dedo médio, o indicador e, finalmente, o polegar prendendo o pau bem firme pela cabeça, depois soltando lentamente pelo caminho inverso: dedão, indicador, dedo médio, anular e mindinho. E começava todo o movimento de novo, num ciclo de apertar, prender, soltar, apertar, prender, soltar, apertar, prender, soltar.

Enquanto um sorria extasiado ao relembrar, os outros sorriam extasiados em imaginar. E eu, muito séria, não sorria, mas ouvia com atenção, como se tudo fosse novidade.

Marcos sorriu para mim.

Carrossel*

* Vanessa Guedes por Débora Costa e Silva, jornalista, "VP da Diretoria AIC" e futura escritora

Foi assim, meio de repente, da noite pro dia, que tudo se transformou. E foi assim, meio de repente também, que ela percebeu que havia algo de muito estranho naquele dia. Demorou pra se tocar, talvez o mau humor tenha dificultado um pouco a audição, a visão, o olfato e o tato. Toda segunda-feira era assim: irritante, neurótica, cara de TPM. Por isso não tinha dado muita importância quando, ao calçar seu scarpin vermelho, as batidas do coração ecoaram pela sala. Achou que fosse a vizinha freqüentadora de raves que tinha aumentado o volume do som. Também não ligou muito quando notou manchas igualmente vermelhas nos azulejos creme do hall de seu prédio, justo nos quadradinhos onde o salto batucava “clec-clec”. Pensou que fossem manchas de vinho derramadas ali ao longo da festa infernal que os adolescentes fizeram na noite anterior.

Foi só quando, ao ajustar o retrovisor de seu carro, se olhou no espelho e se viu vermelha por completo. Não, não era o frio, raiva, vergonha, nem o blush excessivo. Não era cor de maçã, caqui, morango ou melancia: era vermelho sangue – será que estava vivendo o comercial da bebida que faz tudo ficar vermelho, o lance da Red Passion? Mal começou a espernear de pavor, o som do carro ligou sozinho e berrou de volta: “e subo bem alto pra gritar que é amor”. O grave de Ana Carolina fez tremer o Corsa. Remexeu tanto que foi obrigada a agarrar o volante e pisar fundo no freio, para ver se aquilo tudo parava. Não parou.

Para onde ir? Hospital, polícia, trabalho, casa do namorado, amiga, mãe, hospício? Psicóloga, devia estar sonhando, talvez vivendo uma viagem astral das braba. Foi seguindo pela avenida, pois ali dentro da garagem é que não ia ficar – ainda não perdeu o medo infantil de ficar sozinha no escuro, principalmente em casos extremos como este. Depois de meia hora parada no trânsito, já estava se acostumando com a vermelhidão e o som que gritava de repente – não era o tempo todo, eram só certas frases de algumas canções. “Você precisa é de um homem pra chamar de seu, mesmo que esse homem seja eu”. Cansou do abre-fecha do semáforo, de mandar o rádio calar a boca e saiu do carro para fumar e ver o que estava acontecendo.

Foi então que viu o cinza-grafiti do asfalto se colorir de roxo (vai ver que vermelho com cinza dá roxo, não lembra muito bem das misturas de tintas que fazia nas aulas de artes do primário), o motor da Kombi parar de roncar e emitir um “pour-elise” de caminhão de gás, o motoqueiro assobiar “Detalhes”, do Roberto, ao invés de “Créu”, a fumaça insuportável do ônibus ao lado exalar o perfume daquele ex-filho-da-puta que não queria nem lembrar o nome e as modelos dos cartazes grudados nas paredes dos edifícios a tirarem as poucas roupas que vestiam.

- Onde está minha terapeuta?!? Esse sonho tá indo longe demais, já acordei, já era para ter terminado essa palhaçada!

A baderna corria solta. Cada hora surgia alguém diferente, com uma cor de pele mais bizarra que a do outro – alguns tinham até estampas – cantando um rock, frevo, funk, sertanejo, enquanto as pombas que moram em São Paulo se reuniam para uma convenção. Rodopiavam em volta dos prédios, apresentando uma coreografia cuja modalidade era difícil de especificar. Como se não bastasse o mundo esbanjar alegria, continuava como um pimentão e seu carro balançando sozinho.

Chutou o carro de raiva. Ao invés de parar de tremer, como esperava, balançou ainda mais. O chão revidou e tremeu – e tremia sem parar. O motoqueiro jovem-guarda foi lhe acalmar: levou um tapa na cara. Ela começou a chorar. E a mandar todos calarem a boca, à merda, à puta que os pariu. A vertigem daquele mundo mágico, que girava feito um carrossel (até as cores gritantes e bregas eram tais como as do brinquedo), a deixou com vontade de vomitar. Não conseguia. Então cuspiu, cuspiu toda saliva existente em seu corpo, cuspiu na cara do motoboy, do caminhoneiro sem-vergonha, nas pombas, no sapato vermelho, na palma da mão. Era de um alívio tão grande que não parou mais de cuspir.

Foi uma buzina que lhe fez perceber que o semáforo abriu, os carros já tinham ido embora, as pombas voado para longe, o rádio desligado, o asfalto acinzentado...porém, tudo encharcado. O céu se abria como se estivesse a recuperar o brilho depois de uma longa enxurrada. Ela também estava molhada e tudo tinha o gosto de seu hálito. Voltou ao carro, silencioso e imóvel, quem diria, e engatou a primeira. Não foi para a psicóloga, nem ao hospital, polícia, trabalho, casa do namorado, amiga, mãe, hospício. Voltou para casa para tomar um banho e limpar a camada gosmenta de cuspe que lhe vestia, a fim de impelir ralo a baixo toda angústia, raiva, decepção, tristeza que já engoliu na vida e despertou de uma só vez naquela segunda-feira.

Nobre*

* Ivan Cavalhero, budista, músico e futuro escritor, por Vanessa Guedes

Evitar o mal, fazer o bem e cultivar a própria mente para acabar com o ciclo de sofrimento, despertando o entendimento da realidade por meio de princípios de preservação da vida e da moderação, disciplina moral, concentração meditativa e sabedoria.

Deus, com poder de criação, salvação ou julgamento, não há. Mas não nega a existência de seres sobrenaturais.

Afirma que insatisfação, impermanência e ausência de um eu independente são as três marcas da existência e difunde seu ensinamento pelas Quatro Nobres Verdades.

A primeira é sobre o sofrimento em si: nascimento, envelhecimento, enfermidade, morte, tristeza, lamentação, dor, angústia, desespero, apego.

A segunda, sobre a origem do sofrimento, este desejo que conduz a existência, acompanhado pela cobiça e pelos prazeres.

A terceira nobre verdade é sobre cessar o sofrimento: o desaparecimento total daquele desejo, o abandono, a renúncia, a libertação.

A quarta nobre verdade, que conduz ao fim do sofrimento, é o Nobre Caminho Óctuplo: entendimento correto, pensamento correto, linguagem correta, ação correta, modo de vida correto, esforço correto, atenção plena correta, concentração correta.

A intenção era presentear um amigo com palavras gentis. O fato é que o presente foi meu. Eu agradeço, Ivan, por me despertar ao novo.

terça-feira, junho 24

o nirvana

Meu coração palpitou com uma força absurda quando, ontem, segunda-feira, às 18h18, recebi a seguinte mensagem:
Será que vai ser aquariano ou capricorniano? Menino ou menina? Laia ou Santiago? O que sei é que terá cinco lindas tias. Estão preparadas?
A felicidade foi tanta que telefonei três vezes, quase que seguidas, para tentar dizer alguma frase de efeito, alguma sacada genial. Mas isso não é publicidade, não é anúncio de Doriana, não é nada dessa bobajada. Isso é a vida. Vida boa. Então não soube o que dizer, e ainda não sei, e nem preciso. Gritinhos agudos, gargalhadas, mãos frenéticas, rosto quente, lágrimas. É assim que eu soube sentir sua felicidade, Tati.

ela comeu a gente

Domingo, 22 de junho, aconteceu. O que Gerlova sonhava há seis anos, aconteceu. E a noite gelada de sampa ganhou felicidade de nós duas. Por que nós fomos, finalmente, assistir ao show da Ana Carolina. E ver que nem tudo que falam é verdade. Sim, as mulheres enlouquecem em berros de delícia-gostosa-saborosa-tesão-eu-te-amo-porra. E não, não tem só caminhoneira, sapatão, sapatinha ou qualquer outro termo pejorativo que costumam usar. Tem de tudo. É bonito por que tem de tudo.

(e tendo de tudo, tem também patygirl que, ao notar que ela e o namorado dividiriam a mesa conosco, teimou em remanejar os lugares: eles sentados na frente, nós sentadas lá atrás. Mas, tadinha, ela não conhecia a Gerlova. Se deu mal: a patybesta e boybosta sentaram no fundão. Haha! Adoro.)

Ana soltou o vozeirão e me desarmou. Eu, absorvida por ela, encantada por um cenário simples e bem construído. Eu, boquiaberta até a última música, quando não suportei mais: levantei, dancei e cantei "E subo bem alto pra gritar que é amor, eu vou de escada pra elevar a dor". É que não sou fã, não sei as letras, não esperava essa explosão de ânimo no final. Como um gozo. Obrigada, Ana.

As tais camisetas que Gerlova sempre sonhou vestir, uma escrita "eu amo" e outra escrita "ana carolina", para serem usadas em parzinho, essas camisetas nós não usamos. Nem precisou. Estávamos mais para queima de sutiã.

segunda-feira, junho 16

Perturbações de uma pré-balzaca (remix*)

Honoré de Balzac, o ídolo das mulheres de trinta, mal sabe que a disseminação de sua obra gerou uma nova modalidade feminina: as pré-balzacas, aquelas entre 27 e 29 anos que aguardam a chegada aos trinta, a chamada “idade da petroleira”.

Segundo consta, o termo “petroleira” foi definido pelo astro da pornochanchada Paulo Cezar Pereio que, em uma conversa de botequim, designou que são elas, as mulheres de trinta, as poderosas senhoras (ou senhoritas) de toda potência sexual do planeta, jorrando energia como uma fonte de petróleo.

Rapazes ou moças que gostam de moças: vocês precisam conferir! Veja como identificar a pré-balzaca mais próxima de você:

•Pré-balzaca faz drenagem linfática por ser mais fácil do que pilates.
•Pré-balzaca olha as bolinhas estourando no refrigerante e pensa na celulite estourando na sua bunda.
•Pré-balzaca vive de dieta, mas sabe que a felicidade vive numa mousse de chocolate.
•Pré-balzaca acha que poderia ser mais produtiva do que é, mesmo virando noites trabalhando.
•Pré-balzaca sonha com sapatos que designer nenhum ousou criar.
•Pré-balzaca tolera bêbados na balada sonhando encontrar o Príncipe Valente.
•Pré-balzaca compra três blusinhas na Renner, cinco blusinhas na José Paulino e uma blusinha mais linda e mais cara que todas, só por que foi na Oscar Freire.
•Pré-balzaca acha a vida besta e sai fazendo piercing e tattoo, coisa de gente moderna.
•Pré-balzaca tem tempo livre para ajudar os outros, mas vira o demônio por que sempre abusam da sua boa-vontade.
•Pré-balzaca sai na mão quando nada mais funciona. E depois escreve no blog.
•Pré-balzaca sente-se culpada. Não interessa pelo o quê: culpada.
•Pré-balzaca pede à Deus que ela esteja com um homem que até tenha defeitos, mas que nunca seja cuzão.
•Pré-balzaca tem medo de ficar grávida e tem medo de nunca ficar grávida.
•Pré-balzaca emana o mantra
“força-contra-toda-e-qualquer-gravidade,
força-contra-toda-e-qualquer-gravidade,
força-contra-toda-e-qualquer-gravidade...”

* Texto revisitado. Afinal, em semana pós 12 de junho, pré-balzaca fica em crise.

sexta-feira, junho 13

romanesco

Aprendi essa semana que romanesco é um fato extraordinário, que sai da rotina, que de tão incrível parece uma passagem de García Marquez. Meu 12 de junho foi assim. Por que quando você está se sentindo uma merda, merda acontece.

Redecorei a sala derrubando suco de uva no sofá branco que, agora, além de queimado de cigarro, tem manchas psicodélicas variando entre tons de lilás. Já atrasada, saindo da garagem, deu um revertério no portão que cismou de fechar antes e bateu no teto do meu carro. Na Santo Amaro, fui obrigada a sorrir veneno às cantada dos vendedores de flores com seus "moça bonita, leva um buquê pra fazer ciúme pro namorado". Chegando ao trabalho, além de estacionar espremida entre duas colunas, a tira da minha sapatilha rompeu.

Na minha mesa, um dia morno de chatisse. Para manter a sapatilha no pé, andei o dia inteiro com o sapato grudado ao tornozelo com fita adesiva. Falando em desastre fashion, a calça nova e cara, que foi estreada ontem, laceou, ficou um saco de enorme,e me deixou ainda mais desbundada. Mais o horror foi sentir uma coceira terrível o dia inteiro e só notar na hora do banho noturno que a culpa foi do sutiã, que estava do avesso com aquelas rendas me pinicando e eu sem poder coçar - por que coçar as tetas em público é tão ruim quanto tirar a calcinha enfiada no rêgo.

No almoço com dois amigos e dois milk-shakes de Nutella, que eu não pude nem sentir o cheiro por conta da minha promessa anti-chocolate. E vem a pergunta: "você não está sentindo falta do chocolate na TPM?", "Me digam vocês", eu disse. E eles disseram. Foi tanta verdade que eu quis acabar com a promessa ali mesmo. Ai que coceira.

O presente do dia quem me deu foi o chefe, que voltou de viagem e me presenteou com a Vogue Mexico! (sempre peço a Vogue quando as pessoas viajam pra fora) - com um detalhe importantíssimo: a capa da Vogue Hombre é o George Clooney. Melhor ganhar a Vogue Mexico do chefe do que aquele monte de flores que chegaram para as demais colegas de trabalho. Sei que elas morreram de inveja da minha Vogue. Eu nem liguei para os vasos lindos de flores que vinham chegando, chegando, chegando...

A noite, um primor. Duas horas de terapia, impedindo que a terapeuta fosse jantar com o marido no horário combinado. E depois, jantar numa padoca da Vila Madá, com cerveja e sanduíche de carpaccio congelado acompanhado por longos papos no celular com uma amiga (prefiro não revelar o nome), para dividir o chororô.

O encontro com o gato? Teve sim, mas isso é uma outra história. A mais romanesca de todas.

quinta-feira, junho 12

DR versus DC: quem ganha?

Em algum momento, quando vivíamos em Pangea, houve uma divisão que nos distanciou para sempre. Essa divisão chama-se sexo. Não o ato sexual – se bem que tudo converge para isso - e sim a divisão dos gametas: XX para um lado, XY para outro.

As fêmeas, responsáveis por colocar a cria no mundo, selecionam o macho-dominante, aquele que briga e mata pela preferência delas. Logo que o mais forte, mais belo e mais viril vence, as fêmeas cedem e levantam o rabo e são enrabadas e rugem e gritam e esperneiam e mordem e dão coice e o pior – muitas vezes nem gozam. Terminado o serviço, o distinto macho procura outra fêmea para dar continuidade aos seus genes enquanto a fêmea copulada, que poderá jamais rever o macho, se dá conta de que dali em diante, já era.

Hoje, o que há de semelhante?

Em situações sob controle, machos não se estapeiam mais pelas fêmeas. Os tabefes atuais quem ganha são elas. Mas de forma muito civilizada, como exige a época. O tipo mais comum de tabefe é o não-verbal, que consiste no tapa na cara levado quando se pergunta algo ao macho e este se faz incompreensível. Daí as loucas ficam supondo, planejando, imaginando tudo sem se dar mais ao trabalho de perguntar, já que a resposta “que elas querem ouvir” não vem.

Fêmeas perpetuam a seletividade. Mas nenhuma humana pode negar que, entre um porre e outro ou naqueles momentos de desespero, já acabou a noite com um zé-qualquer. Porém, na hora de procriar, ou melhor, na hora de criar uma relação estruturada, são seletivas – tanto que é difícil encontrar alguém no perfil que o filho da puta do Walt Disney implantou em seus cérebros. Para não morrer de inanição durante a procura, serve o zé-qualquer mesmo.

Havendo o ansiado encontro entre paixão, tesão e desejo, machos e fêmeas disputam a liderança do casal aporrinhando um ao outro com as armas que têm. A bazuca delas chama-se D.R., enquanto que eles armam-se da temível D.C.

O preço pago pela companhia do sexo oposto está no equilíbrio entre essas duas forças. Os homens suportam os intermináveis blábláblás da DR – Discussões do Relacionamento. Enquanto as mulheres suportam ouvir o tal “ai, benzinho, vamos tentar, vai, é legal, juro que não dói...” do insistente D.C. – solicitação para dar o cu.

É fato que, quando essas dualidades encontrarem seu eixo harmônico, o planeta viverá pleno. Sem desigualdade, sem fome, sem guerra. Mas até lá, a evolução das espécies nos reservas muitas discussões com os machos e, pedindo com carinho e contando com a sorte, vai que elas cedem?

terça-feira, junho 10

O casamento cosmético

Ela estava no banheiro há horas. Pelos azulejos, tudo do cesto de roupa suja foi transformado em objeto cênico: camisetas viraram sofá, calcinhas eram xales, sutiãs eram poltronas muito confortáveis. Seu mundo particular recebia uma celebração especial: era dia de festa.

- Vocês, dona Xampu e senhor Creme Rinse, são da família Colorama, certo?
- Sim, viemos para o casamento de nossa filha.
- Meus parabéns! Eu sou amiga da Creme de Pentear Cachos Colorama.
- Ah, você viu que belezura de noivo! Nunca pensei que nossa querida Creme de Pentear se casaria com o Creme de Barbear Bozzano, diz dona Xampu.
- Que bobagem, mulher! Nossa filha conseguiria casar até com o padre se quisesse!, retrucou o enciumado pai da noiva.
- Bobagem, nada! A família Bozzano é muito respeitada. Só não os vejo aqui...
- O noivo só tem um irmão anão, aquele pincel de barbear ali, e uma tia magricela chamada Gillette, que logo chegará. Quem tem família grande é a noiva!, disse Rexona Spray, a amiga e organizadora do enlace de Creme de Pentear Cachos.
- É quase falta de respeito só participarem dois familiares da festa que eu paguei!, diz seu Creme Rinse, enfurecido.
- Calma, meu bem. Esqueça. Vamos falar com o padre?, sugeriu dona Xampu.

Dirigiram-se aos seus lugares na igreja muito colorida com seus tapetes de meias de lycra. Ficaram conversando por alguns instantes até perceberem o absurdo: não tem padre nem bolo no casamento.

Astuta, a criança busca pelos armários algo que o valha. Talco solta muito pó para ser padre, perfume é bonito demais para ser padre, sabonetes são muito baixinhos – mas podem ser bolo. E bolo precisa de velas, como os fósforos. Enquanto pega bolo e velas, acha o padre perfeito.

Na cerimônia, o pomposo padre faz um discurso muito bonito sobre a união dos povos e desejos de felicidade eterna. Eram tantos os convidados, de escovas de cabelo a óleos de massagem, que toda vez que a criança se movia no pequeno espaço entre a pia, a privada, a banheira e o cesto de roupa suja, ela derrubava alguém. Na hora da dança, todos caíram rolando de lá pra cá, soltando seus líquidos por todo azulejo, fazendo uma grande farra.

Chegou a hora do bolo. A mesa preparada com caixas de tintura Imédia Excellence L´oreal abrigava todos ao seu redor, inclusive o padre, que ficou para a festa. Mais de dez velas foram colocadas no bolo que cheirava rosas do campo. Primeira tentativa, nada das velas ascenderem. Segunda tentativa e não só as velas, mas todo o banheiro se acendeu.

O padre foi o primeiro a explodir. A criança correu para dentro da banheira, ligou o chuveiro, abriu as torneiras da pia, fez um esforço inédito espirrando água para todo lado.

Reparou o cesto de roupa suja contorcendo-se, a camiseta da escola queimada até a altura do peito e todos mortos, xampus, desodorantes, hidratantes, derretidos pelo fogo e pelo líquido inflamável daquele álcool metido a padre. Depois do incêndio domado, a criança começa a chorar.

O pai sente o cheiro de queimado e ouve o choro. Não tem dúvidas em estourar o trinco da porta do banheiro. Encontra a criança molhada, tremendo. Vê o caos ao seu redor, vê que nada mais ali tem salvação, e não pestaneja em falar:

- Vamos limpar tudo que sua mãe nem vai perceber.

quarta-feira, junho 4

terça-feira, junho 3

túnel

Lua baixa.
O mundo é mudo nessas horas.
Mas dentro daquele quarto havia
o tumulto de tragédias a vir.

Era frio. Aproximou-se da janela.
Alguns carros estacionados, alguns gatos na lixeira.
As folhas uivavam ao vento do outono.
A vida deixou de ser vazia, mas precisava voltar a ser.

Tragou. Liberou o ar enquanto acompanhava
a brasa em queda livre.
Para meu coração teu peito basta, para que sejas livre, minhas asas
– pensou em Neruda no instante em que cedeu ao instinto de quietude.

Sim, naquele peito soprava o desejo de silêncio.
Mas na cidade cinza, silêncio não existia.
Então partiu. Desceu livre a escadaria. Ligou-se aos motores e guiou
até afundar sob o asfalto.

Ali abriu as janelas e a percepção: as vias,
molhadas e sufocadas pelo concreto,
chiavam como música uterina.

Assim, entregou-se
ao transe rítmico do túnel.
Foi e voltou. Foi e voltou. Foi e voltou.

A lua alta, ela não viu.

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Obra inédita sobre o tema "Silêncio", transformada de prosa em verso,
produzida inicialmente para o blog Mentiras de Verdade.
Segue meu protesto pela atualização de nosso blog da AIC,
esquecido para sempre.

into the wild

Se você, caro amigo, não está entendendo o que faz aqui no meio da metrópole canibal, aconselho não assistir a esse filme. Tive a experiência e, claro, não vou contar a história, mas garanto que no final da sessão aconteceu o inédito: as pessoas não se levantaram para deixar a sala. Subiam os créditos, as pessoas sentadas. Já mostrando os créditos musicais (bela trilha de Eddie Vedder), as pessoas ainda sentadas. Acenderam as luzes, alguns saíram da hipnose, mas muitos ainda lá, sentados. É que faz refletir, muito. E não é filme cabeçudo, daqueles intelectualizados chatérrimos (não tenho intelecto para tanto: tentei assistir a Cidadão Kane duas vezes e cochilei nas duas). Fala do que todos sabemos ou preferimos não saber: nossa própria natureza.
De dar medo de tão bom.
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Na agência: dois projetos megalomaníacos a frente. Um bem legal, mas enorme, que não sei por onde começar. Outro que é basicamente produção, mas que, seguindo o hábito, mandam pra cá. OK. Mais alguns lemes para segurar e umas vozes ordenando: remem! remem! Mais uma gente nervosa e antipática e mal-humorada que gosta de negócios. Como pode uma redatora ter tanta amiga atendimento? (ainda bem que elas não trabalham comigo.) E como pode atendimento suportar os redatores, essa gente que não enxerga a vida real? Sim, pois se não houvesse o descaso pelo lucro por si só, seria uma loucura mútua. Alguém tem que tirar sarro dessa correria besta, dessa afobação. Luto para manter-me palhaça no circo dos horrores. Mas como cansa.
"A gente séria não suporta palhaçada". Oh ignorância.

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De segunda a sexta, em horário comercial ou extra, me resta:
trabalho, aula, terapia, casa, leitura, ausências.
Assim construo minha tara pela sexta-feira:
nos dias a seguir, posso me doar a todos que amo.
Posso recebê-los. Até voltar tudo banal.
De segunda a sexta, em horário comercial ou extra, me resta.